Com o calor em alta e a estiagem, o mosquito Aedes aegypti encontra condições ideais para se reproduzir. Especialistas orientam que o período pré-inverno amazônico é o mais estratégico para evitar novos surtos.
A dengue é uma das doenças tropicais mais sensíveis às variações do clima. O aumento das temperaturas e a irregularidade das chuvas vêm alterando o ciclo de reprodução do Aedes aegypti, criando condições ideais para o mosquito, especialmente na Amazônia.
Neste período de transição, com dias mais quentes e chuvas ainda irregulares, especialistas destacam que agir agora, eliminando criadouros e reforçando a vigilância, é essencial para evitar o aumento de casos que costumam ocorrer durante o inverno amazônico, entre o fim e o início de cada ano.
O doutor em Saúde Pública Bruno Eduardo Silva de Araújo, da Estácio, explica: “O calor acelera o processo de desenvolvimento do mosquito. Em temperaturas entre 26 °C e 30 °C, o tempo para um ovo virar adulto diminui, o que significa mais mosquitos nascendo em menos tempo.”
De acordo com dados do Ministério da Saúde, referentes ao primeiro semestre de 2025, o estado de Rondônia registrou mais de 2.900 casos prováveis de dengue, sendo 151 confirmados na capital, Porto Velho. Já o sistema InfoDengue, da Fiocruz, aponta que o estado se mantém em nível verde, o que indica estabilidade e baixo risco de surto. Em Belém do Pará, outra capital amazônica, o alerta é amarelo: o clima quente e úmido favorece a reprodução do mosquito, embora ainda não haja aumento expressivo na transmissão.
O médico de família e comunidade Evandro Rios Soté, coordenador do curso de Medicina do IDOMED FAMEJIPA, explica que o comportamento do mosquito e a gravidade dos casos estão diretamente ligados à resposta do corpo humano e à rapidez no atendimento. “A dengue é uma doença viral que pode causar febre alta, dores intensas, manchas na pele e até sangramentos. O perigo aumenta quando há demora para procurar atendimento”, afirma. “Crianças desidratam mais rápido e muitas vezes não conseguem descrever o que sentem. Já os idosos, por terem outras doenças, podem piorar de forma súbita”, completa.
O médico alerta ainda que a automedicação é um dos principais riscos durante o tratamento da doença. Muitos confundem os sintomas de dengue com gripe ou virose e tomam medicamentos por conta própria, o que pode agravar o quadro. Anti-inflamatórios e aspirina, por exemplo, aumentam o risco de sangramento, enquanto o uso excessivo de chás ou remédios caseiros pode causar desidratação. “A recomendação é clara: suspeita de dengue, procure o posto de saúde, beba bastante água e não se automedique”, reforça Soté.
CONSCIÊNCIA COLETIVA — Além do clima, o especialista em saúde pública Bruno Araújo chama atenção para o papel do saneamento básico e da gestão de resíduos na proliferação da doença. “Garrafas, pneus e tampinhas acumulam água e viram criadouros. A falta de coleta de lixo e de rede de esgoto favorece o mosquito. Um ambiente urbano mal planejado oferece tudo o que ele precisa para se multiplicar.”
As soluções, segundo ele, passam por um conjunto de medidas estruturais: universalização do saneamento, melhor gestão de resíduos sólidos e drenagem urbana sustentável, com jardins de chuva e pavimentos permeáveis. “Essas medidas reduzem os pontos de acúmulo de água e fortalecem o conceito de Saúde Única, que integra saúde humana, meio ambiente e planejamento urbano.”
Para os especialistas, o combate à dengue depende de uma mudança de comportamento coletivo. A professora Amanda Mello, docente de Farmácia da Estácio e mestre em Patologia das Doenças Tropicais, destaca que o individualismo ainda é um obstáculo: “Muitas pessoas acreditam que cuidar apenas do próprio quintal é suficiente, quando uma casa abandonada ou uma piscina descoberta já podem afetar todo o entorno.” Segundo ela, é preciso desenvolver uma ‘civilidade sanitária’, baseada na consciência de que o cuidado com o ambiente é uma responsabilidade compartilhada. “Pequenas ações, como eliminar água parada e manter caixas d’água tampadas, têm impacto decisivo na prevenção da doença e na construção de cidades mais resilientes às mudanças do clima”, complementa.
Amanda também destaca que, embora exista vacina contra a dengue, ela ainda é restrita ao setor privado e não cobre todas as cepas do vírus. “A prevenção mais eficaz continua sendo eliminar criadouros e manter o ambiente limpo.”
Com o avanço das mudanças climáticas e o aumento das temperaturas médias na Amazônia, os especialistas são unânimes: o combate à dengue exige uma nova postura da população. “O clima favorece o mosquito, mas o comportamento humano define se ele vai se espalhar. Prevenção é responsabilidade coletiva”, conclui Amanda.
Jéssica Gatti – Jornalista da Agência Eko de Comunicação
