O renomado professor, escritor e historiador Leandro Karnal é considerado um dos grandes pensadores da atualidade. Por meio de sua obra e engajamento, Karnal tem estimulado o olhar crítico, social e intelectual de milhares de pessoas. Presença constante em debates na TV e nas redes sociais, o membro da Academia Paulista de Letras é autor de livros, como: O dilema do porco espinho; O que aprendi com Hamlet, Conversas com um jovem professor, dentre outros.
A experiência como professor acadêmico e a vivência com as diversas formas de ensino torna Karnal uma das muitas vozes importantes nos debates sobre educação. Em razão disso, neste 28 de julho, o escritor chega a Belo Horizonte para a 1ª Bienal de Novos Saberes, a Eduko, evento para educadores promovido pelo Sesc. O historiador presidirá a palestra magna, com o tema: Educando no mundo líquido.
Em entrevista exclusiva a O TEMPO, Karnal comenta sobre os desafios da educação em tempos tecnológicos, e reflete sobre a segurança dentro dos ambientes de ensino. No vídeo abaixo, você confere o bate-papo completo e, a seguir, uma seleção dos melhores trechos:
Como é para você esse desafio de sair de uma sala de aula, de um ambiente acadêmico, para ensinar de outras formas eu em outros palcos?
Eu me sinto sempre um professor. Comecei a dar aulas regulares aos 19 anos, então faz 41 anos que me considero professor. Considero que ensinar em uma sala de aula ou à distância é aquilo que me formou, que fez parte da minha essência. Tenho muita facilidade de me sentir bem em uma escola ou em um ambiente de aprendizado. Fui professor de ensino fundamental, de ensino médio, de curso pré-vestibular e em faculdades privadas e públicas. Em cada lugar desses, tive uma experiência distinta. Mas o grande desafio é a comunicação: de um sabe, de algo que deve ser apreendido, e mais aquelas questões colaterais que nos ocupam tanto, como disciplina, ordem, hierarquia e assim por diante. Tenho uma trajetória que teve momentos muito bons, alguns muito difíceis e acho que isso é uma experiência que transfiro para a internet ou nas palestras.
Não tem como a gente falar de qualquer assunto hoje e não citar a inteligência artificial (IA). Como você enxerga um educador ou a educação em tempos de IA?
Inteligência Artificial vai sempre ressignificar, por exemplo, o exercício de avaliação. Se eu continuar dando trabalhos ao estilo do romantismo no Brasil ou funções quadráticas ou hidrografia da Amazônia, vou receber tarefas feitas pela IA. Mas isso já ocorria antes com o Google. Por isso, os professores que lançam avaliações baseadas apenas nessa ideia vão descobrir que estão apenas consumindo um tempo da IA. lsso não é ruim, apenas nos obriga a repensar: se um dia eu tinha que lidar com a cópia da enciclopédia, no momento seguinte tive que lidar com a cópia do Google, e agora tenho uma coisa mais sofisticada. Em primeiro lugar, temos que perder o medo da tecnologia. Vou relembrar as pessoas que na minha geração era proibido utilizar calculadora na sala de aula. Então temos que parar de ter essa síndrome de Frankenstein, esse medo que a máquina vai nos dominar. Nós educadores temos que incorporar a inteligência artificial, inclusive desafiando os alunos a fazerem em sala um texto e depois pedir que consultem o ChatGPT, para comparar as duas formas e fazer aquilo que só o ser humano ainda consegue: qualificar valor. Se meu aluno usa frequentemente o TikTok porque não desafiá-lo a fazer um vídeo sobre o conceito central da sua aula. Por que continuamos querendo que a sala de aula seja de papel?
Você está falando sempre de assuntos tão essenciais e, às vezes, tão sensíveis nas redes sociais, como: política, educação, religião e sexualidade. Como você fala sobre esses temas de forma a conscientizar e não a ferir o pensamento do outro?
Em geral, quando amplio o grupo, amplio as origens dos leitores, visualizadores e internautas, vou multiplicar a chance de equívocos. Isto é uma característica da comunicação humana. Nós temos pessoas céticas, como Jacques Lacan, o psicanalista francês, que vai nos afirmar que eu só entendo aquilo que previamente eu já tenha um pouco de uma posição platônica de educação como recordação. Então, como posso lidar com isso? Na sala de aula, desde o início, com pequenos textos e pequenas imagens, eu estímulo ao aluno para o foco. Ou seja, você precisa ler o que o outro escreveu para perder o vício de navegação, que é ler a manchete, ver a imagem e não parar para pensar. Porque o grande drama da internet é a rapidez da percepção de uma imagem de texto, o julgamento imediato e a não captação da mensagem.
A escola é um espaço de socialização, mas está sendo questionada como espaço de transmissão de conhecimento e estímulo de habilidades. O que vou ensinar para um aluno em 2023 que daqui a 40 anos ele ainda vai poder utilizar. Esse é um desafio de primeira linha na educação. Até porque essa é primeira geração da história em que os alunos sabem mais tecnologia do que aqueles que estão ensinando
Professor, você acha que vai chegar um tempo em que a gente vai entender realmente a importância da educação e a importância de se investir em educação?
Não existe desenvolvimento sem educação. Agora nunca tivemos uma era em que o grosso do sucesso estivesse tão desligado da ideia de formação acadêmica. Então não importa mais exatamente quem é o melhor médico, mas aquele que melhor se comunica com as redes. Nunca dissociamos tanto na história humana, formação regular pesada e sacrificada com a ideia de sucesso. Antes nós dizíamos: estude para ser alguém na vida e hoje as pessoas que fazem sucesso e entre aspas são alguém na vida raramente tem conexão com estudo, com diploma ou formação. Então, temos que hoje pensar uma tendência quase oposta à educação formal, que está sendo colocada em cheque. Temos um exemplo trágico: as escolas foram as primeiras instituições a fechar na pandemia e foram as últimas a reabrir em suas portas. Nós consideramos mais importantes, quase um ano antes das escolas, abrir bares e restaurantes. Achamos mais importante beber do que educar. Então isso é um sinal de que não dá para ficar otimista neste momento sobre o futuro da Educação.
Sobre a violência dentro das escolas, você tem aquela preocupação de que a escola se torne um dos ambientes mais inseguros por causa da violência e massacres, que a gente vê infelizmente acontecendo?
Você toca numa dor que me abala profundamente.Toda vez que existe uma invasão a uma escola e a morte de um aluno ou de um professor, fico literalmente destruído por muitos dias. A violência é um dado universal na nossa sociedade. As ruas estão violentas, as pessoas se matam nas ruas, existem assaltos e muitas formas de violência, que não convivemos até há alguns anos. Quem trabalha em escola pública, em áreas mais desafiadoras da cidade, sabe que, por exemplo, você pode interromper uma aula por causa de um tiroteio. Você pode ter que conviver com o tráfego na porta da escola. A “moda” começou nos Estados Unidos. E atualmente, é mais tradicional ver pessoas com problemas psíquicos irem resolver seus problemas na escola. Isso é um grande desafio porque não podemos colocar um policial atrás de cada aluno, não é nem bom para o ambiente escolar que exista isso.
Mas, não podemos imaginar que a escola seja uma ilha de segurança em meio a uma sociedade que está insegura aqui. A escola está inserida neste mundo, mas temos que encontrar uma solução para que não ocorra a pior coisa que pode acontecer em um ambiente escolar: entregar uma criança de manhã para estudar e depois ser chamado para buscar o corpo do seu filho. Isso é uma tragédia indescritível. Toda a vida humana é preciosa, mas é claro que o assassinato em um lugar de conhecimento de jovens e crianças é ainda mais dramático. Eu não sou um especialista em segurança. Mas tenho saudades da minha juventude quando o problema na escola era um aluno jogar papelzinho no outro. Agora estamos lidando com uma violência real. Hoje, na faculdade de pedagogia, além de didática de educação, temos que dar aula de defesa pessoal, para que os professores possam exercer suas funções. Isso é assustador. Eu não tenho um caminho para resolver, mas deveria ser o alvo central do debate político: como tornar nossas escolas seguras sem que elas se tornem presídios. E só para lembrar a todos que, no presídio onde há revista na entrada, muros altíssimos, arame farpado e grades ocorrem assassinatos também. Então essa é uma pista para a gente pensar a situação escolar.
Fonte: O tempo










































